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[Imprensa] Israelense adotada no Brasil nos anos 1980 busca pais biológicos

  • Writer: Gabriel Toueg
    Gabriel Toueg
  • Nov 24, 2012
  • 4 min read

Updated: Nov 22, 2023

História é parecida com a de personagem da novela ‘Salve Jorge’, da Globo


Foto de arquivo pessoal mostra a personagem do texto, Chen Levy Gavillon, mulher branca, com 27 anos na época da foto, com cabelos pretos
Chen: ‘Cresci com a impressão de que adoção não era algo bom’ (arquivo pessoal)

Nascida no Brasil, Chen Levy Gavillon, hoje com 27 anos, soube ainda pequena que havia sido adotada por um casal israelense. O tema não era segredo na família, que tem outro filho adotivo. “Fui crescendo com a impressão de que adoção não era algo bom, ao ver filmes e programas na TV”, contou ao Estadão. “Não queria que ninguém soubesse.”


Certa vez, na escola em que estudava, em Ra’anana, pacata cidade ao norte de Tel Aviv, um grupo de alunos furtou alguns papeis pensando se tratar de provas que seriam aplicadas aos colegas. Mas eram documentos com informações pessoais dos estudantes. Entre eles estava a ficha de Chen. Ao descobrirem sobre a adoção, eles a confrontaram com a informação que ela tentava esconder.


“Claro que eu neguei, disse que devia ser um erro, mas, ao chegar em casa, histérica, chorei e disse à minha mãe que nunca mais voltaria à escola.” O incidente no colégio, quando Chen tinha apenas 10 anos, foi o pontapé inicial de uma busca contínua, com uma porção de insucessos. Naquela ocasião, ela conseguiu que os pais contassem tudo que sabiam sobre a família no Brasil.


Embora tenha investigado e procurado de forma quase incansável ao longo de vários anos, Chen ainda não sabe quem são os pais biológicos, pessoas que ela se recusa a chamar de “pais”, apesar do desejo de encontrá-los.


A pouca informação que ela tem se resume ao nome do Hospital Nossa Senhora das Graças, na cidade de Bom Retiro (SC), onde ela teria nascido. Além disso, um nome, que seria da mãe: Marlene Bezerra.


A história de Chen se parece com a da personagem Aisha, vivida pela atriz Dani Moreno na novela Salve Jorge, da TV Globo. Na trama, Aisha vive na Turquia, também sabe que é adotada e busca os pais, também brasileiros.


Na semana passada, Aisha e Chen se encontraram em um capítulo da novela em que a personagem descobre uma confusão nos documentos. “Ontem eu estava falando com a Chen sobre isso”, diz Aisha a uma amiga, ao mostrar um vídeo em que a israelense chora enquanto pergunta, em português: “Por que me deixaram?”. Assista a um trecho de uma interação entre elas.


A trama de Glória Perez, famosa por tocar em temas sensíveis da sociedade e por incluir no enredo personagens que vivem aquelas histórias na vida real, não fugiu do roteiro desta vez. A Aisha de Salve Jorge se comunica com diversos jovens como Chen, que buscam saber de onde vieram e quem são os pais biológicos. Nesta cena, a garota que cresceu em Israel se apresenta e relata a própria busca.

Chen aprendeu o idioma da família biológica justamente assistindo às novelas no país em que cresceu. Muito populares em Israel, os folhetins são exibidos no idioma original, geralmente legendadas, o que, afirma ela, facilita o aprendizado. “Nunca frequentei nenhuma escola [de idiomas],apenas comprei um dicionário para estudar em casa”, diz. “Sempre gostei do português.”


Burocracia

Chen foi adotada em 1985, logo após nascer. De acordo com os documentos do hospital catarinense, ela não ganhou prenome algum. “Recebi apenas um sobrenome”, conta. O irmão de Chen, hoje com 30 anos, também nasceu no Brasil e foi adotado dois anos antes, mas não teve interesse em buscar a família biológica.


A escolha dos pais de Chen pelo Brasil, segundo ela, teve a ver com a facilidade de adotar uma criança no país, na época. De fato, segundo a cineasta israelense Nili Tal, que produziu dois filmes sobre o tema, cerca de 3 mil crianças brasileiras foram adotadas por famílias israelenses nos anos 1980.


Um caso ganhou fama e manchetes no país quando a Justiça israelense decidiu que a criança deveria ser devolvida aos pais biológicos. Bruna Vasconcelos, que recebera dos pais adotivos o nome Caroline, passou dois anos em Israel antes de voltar para Curitiba (PR) – onde acabou engravidando aos 13 anos. “É uma alegria eu ter sido adotada pelos meus pais. Tenho uma vida boa em Israel. Não sei qual teria sido o meu destino no Brasil”, disse Chen. Bruna seria a única criança sequestrada no Brasil que voltou à família biológica.


Ela e o marido, o argentino Leo Gavillon, que vive em Israel desde 2003 e tem cidadania israelense, passaram cinco meses no Brasil, em 2007, logo depois que Chen concluiu o serviço militar, obrigatório também para meninas. “Queria muito conhecer a cultura. Sabia que eu pertenço a outra cultura”, conta. “Costumo dizer que sou uma ‘brasileira falsa’. Tenho muito orgulho disso.”


Quando estava no Rio de Janeiro, ela chegou a buscar informações sobre a mãe biológica, mas acabou desistindo da pesquisa depois de ser alertada de riscos por um policial. “Guardei os papéis e fui para a praia.”


Hoje, mãe de Maya, de 1 ano e meio, ela conta que tem medo de se frustrar com um encontro. “Sou muito sensível”, diz. E promete: quer visitar o Brasil na Copa de 2014.


Texto publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 25 de novembro de 2012, de autoria de Gabriel Toueg, alterada livremente com informações obtidas pelo jornalista à época. Acesse a versão original.


Foto de capa: Chen aparece em tablet em uma cena da novela 'Salve Jorge' enquanto conversa com a personagem Aisha (Reprodução/ Globoplay)

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